viernes, 22 de mayo de 2009

María Julia Mólico (Portugal)

Livre Voar

Galopando por deserto escaldante
num dromedário, como corcel
cavalgando no meio dum vergel,
sinto a quentura do Sol amante

À minha volta areias ondulantes
pelo calor, brilham como um mar
ofuscando meus olhos que, a chorar,
procuram oásis inebriantes

E num voar livre e mais veloz,
rosto coberto por diáfano manto,
escondo no seio o amargo pranto
onde quero afundar minha voz

Sem-abrigo

Todos os dias te vejo
sentado à minha porta,
orgulho na face morta,
olhos tristes, sem lampejo

Contigo trazes os bens
que restaram do caminho
percorrido sem carinho...
cálice que tragado tens!...

Não existindo emoção
no olhar que te perscruto,
só vejo dias de luto
no pulsar do coração

A vida, quebrando os laços
da memória da tu'alma,
traz na noite doce, calma,
morte santa nos seus braços

Aquela mãe...

Vejo aquela mãe no Sudão,
olhar triste, moribundo,
já só olha outro mundo
deixando este que é «cão»

Enlaça com todo o amor
o filho sem alimento
que já não lança um lamento,
a vida foge sem dor...

Mãe coragem...! Será mesmo?...
Não lhe deram opção:
deitada no catre-chão
pr'onde a lançaram a esmo...

Uns com tanto, outros sem nada...
Onde iremos nós parar?
Porque é que a palavra amar
anda esquecida, apartada?

Naquele rosto bem sofrido
já só os olhos existem,
querem lembrar que persistem
pr'além do tempo vivido...

Mulher

É um corre que corre
de casa para o trabalho,
do trabalho para casa,
passando p’lo infantário.
Chega a casa, o jantar,
e mais o banho do filho,
-lava os dentes, não te esqueças,
faz o trabalho de casa-
ao mais velho faz notar.
Sobe, sobe, na varanda,
lava a roupa, estende a roupa,
passa a ferro com cuidado
a roupa do seu marido
que, apesar do alarido,
continua a ser amado.
Lava a loiça, o talher,
guarda a roupa no armário,
chega o seu homem a casa,
bêbedo de cair no chão,
dá «sopapos» aos miúdos,
ao mais velho um «safanão»
e à mulher uma tareia
por não lhe aquecer a ceia.
Cansada, vai-se deitar;
espreguiça-se, cautelosa,
com medo de o acordar.

Meninos

Meninos que correm, brincam,
lançam o seu pião…
voa, saltando da mão,
rolando co’ a morte que fintam

Saltitam por entre escombros,
escondendo em esgotos escuros
seus pensamentos obscuros,
tontos, cheios de assombros…

Noites de devastidão,
em que sentem o pavor;
nem mesmo o seu «senhor»
lhes acalma o coração…

Dias melhores, esperas em vão,
sem doenças, sofrimentos,
sem gritos e sem lamentos…
tendo todos o seu pão…

Meninos sem alegria
sonham castelos de luar,
nocturnos… de encantar…
levados co’o nascer do dia

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